Por Gustavo Sanches e Jean Quadros
Algumas das perguntas que ocorrem com regularidade aqui no Parque das Aves são sobre o nosso casal de Harpias (Harpia harpyja), que pelo porte e tamanho das garras – maiores do que as do urso pardo americano – impressionam a todos, sem exceção. Nessa inerente curiosidade sobre hábitos, força e alimentação, não raro surgem perguntas do tipo: “Eles estão com filhotes? Já se reproduziram?”. A resposta para essas perguntas estarão, em partes, aqui apresentadas.
Dito isso, vale ressaltar o trabalho pioneiro de reprodução de Harpias em cativeiro de forma natural, conduzido por Roberto A. Azeredo, da Sociedade de Pesquisa do Manejo e Reprodução da Fauna Silvestre (CRAX). Em maio de 1999 nasceu o primeiro filhote, que foi incubado e alimentado pelos próprios pais, um feito inédito no mundo. Outro acontecimento incomum na história da CRAX foi a reprodução das Harpias por dois anos consecutivos; o segundo filhote nasceu em abril de 2000. A partir daí, o manejo reprodutivo dessa instituição ganhou credibilidade e foi criado um protocolo de alimentação para essas aves, baseado nas experiências de Roberto Azeredo.
Este protocolo, que consiste em alimentar as Harpias sem padrão de horários fixos e dias certos, tem sido utilizado também pelo Programa de Conservação do Gavião-real, desenvolvido e executado pelo Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA). Desde 1997, o INPA mantém harpias resgatadas e trabalha de forma efetiva para proteger o gavião-real de suas principais ameaças: caça e desmatamento. Capacitação, pesquisa e educação ambiental foram algumas maneiras que os pesquisadores do projeto encontraram para aliar os moradores das comunidades tradicionais à conservação da espécie. Somado a isso, o INPA desenvolve, em parceria com a CRAX, um programa de reintrodução de Harpias na Mata Atlântica.
No país, além da CRAX, quatro instituições obtiveram sucesso na reprodução da espécie: o Criadouro Tropicus, do Rio de Janeiro, o Zooparque de Itatiba, o Zoológico de Salvador e o Refugio Biológico Bela Vista, em Foz do Iguaçu. Com exceção da CRAX e do Zoológico de Salvador, todos utilizam técnicas de incubação artificial dos ovos e criação dos filhotes sem o contato com os pais.
Algumas particularidades da estratégia reprodutiva dessa espécie dificultam sucesso em cativeiro, por exemplo: baixa taxa reprodutiva; longo período de incubação e longa dependência dos indivíduos jovens para com os pais. Em vida livre, essas características possibilitam que os pais dispensem o cuidado parental necessário, ensinando os filhotes a buscar o seu próprio alimento.
O método de reprodução que envolve a criação artificial pode fazer com que o filhote não aprenda os comportamentos naturais ensinados pelos pais, dificultando assim uma futura reintrodução na natureza. Aqui no parque, temos utilizado técnicas muito semelhantes às do Roberto Azeredo, da CRAX. Procuramos oferecer um ambiente parecido com o natural e evitamos ao máximo qualquer intervenção no ninho. Até o momento, já foram duas posturas com três ovos, porém infelizmente nenhum filhote nasceu. É até possível que os ovos estivessem inférteis ou o embrião tenha morrido antes de completar o desenvolvimento.
Temos esperança, é claro, que nossas Harpias melhorem sua habilidade parental a cada estação reprodutiva, que nossa equipe também aperfeiçoe continuamente as técnicas de manejo e que, desta forma, consigamos alcançar o objetivo de reproduzir essa espécie tão fabulosa e tão ameaçada. Esta será mais uma forma de desempenharmos o papel dos zoológicos na conservação e manutenção da biodiversidade.